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Entrevista com Álvaro Siza

Salvador, Bahia - 2002
por Alan Quintella Mendes

O arquiteto português Álvaro Siza, um dos maiores arquitetos da atualidade, vencedor de inúmeros prêmios internacionais (incluindo o Pritzker) esteve no Brasil a trabalho onde acompanhou o projeto do museu da fundação Iberê Camargo em Porto Alegre. Siza veio a Salvador, durante a visita, no final do mês de maio para conceder uma palestra a convite da Faculdade de Arquitetura da UFBA. Nesta entrevista, Siza fala de sua carreira que completará 50 anos e analisa a importância do contexto em seus projetos.

 

Porque o sr. resolveu fazer arquitetura?

Quando comecei a estudar na escola de Belas Artes do Porto eu queria ser escultor, resolvi me dedicar à arquitetura devido a efervescência que a arquitetura moderna estava provocando na época. Havia uma grande discussão sobre essa arquitetura. Foi assim que acabei me tornando um arquiteto.

O sr. estudou (de 1949 a 1955 ) na época em que a arquitetura moderna brasileira ganhava destaque internacional, na Europa principalmente. Como o sr. via essa arquitetura e qual a influência que ela lhe causou?

O primeiro contato que eu tive com a arquitetura brasileira foi através do livro Brazil Builds, quando o professor Fernando Távora comprou o livro e mostrou para os alunos. Aquela arquitetura causou um grande impacto. Embora exista uma relação entre Le Corbusier e a arquitetura brasileira, nós percebemos naquela época que a arquitetura não era só Le Corbusier e os CIAMs  (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna). Havia muito para ser descoberto pelo mundo afora. Além desse livro, o que marcou também foram os artigos da revista Architecture D`aujourd`hui sobre a arquitetura brasileira. E o que me chamou mais a atenção, particularmente, foram as obras de Oscar Niemeyer. Nesta época em que eu estava na faculdade, Niemeyer e Lúcio Costa estiveram lá para proferir algumas palestras. Niemeyer também fez um projeto de um hotel na Ilha da Madeira. Foi um contato muito íntimo que tivemos com os grandes nomes da arquitetura brasileira na época.

Quais eram as maiores dificuldades de um arquiteto recém formado? E como é hoje a prática profissional depois de quase 50 anos de carreira?

Havia dificuldade de acesso aos trabalhos para os jovens arquitetos, como acontece até hoje em dia. Mas era diferente porque naquela época havia pouco trabalho, apesar de também haver poucos arquitetos. O arquiteto era uma figura menor em relação ao engenheiro que podia projetar e construir. Portanto na primeira fase de minha carreira profissional eu fiz obras pequenas, como casas em Matosinhos, minha cidade natal. Quando estudante, cheguei a projetar um galinheiro e uma garagem (risos). Enfim conseguia-se trabalho, mas não conseguia-se projetos de obras públicas. Tinha também restrições do ponto de vista da linguagem arquitetônica. A maioria fazia um estilo nacionalista, era portanto um aspecto muito condicionado. E 50 anos depois com a abertura e a queda do regime de Oliveira Salazar, em 1974, aconteceram grandes modificações estruturais em Portugal. Houve uma maior atenção às cidades do interior, pois antes era tudo concentrado no litoral, surgiram postos de trabalho nestas cidades onde praticamente não havia arquitetos, surgiram também os concursos municipais, nacionais e até mesmo os internacionais.

Então, como o sr. começa a ganhar notoriedade no cenário internacional?

Foi através desses concursos que surgiram uma série de projetos e obras públicas na área de habitação, requalificação de bairros e até mesmo de cidades. Era um programa chamado SAAL. Muitos desses projetos não foram executados por falta de dinheiro, mas revistas da França e da Espanha publicaram esses trabalhos. Com isso passei a receber convites para projetos na Alemanha e na Holanda na área de habitação. E somente no final dos anos oitenta é que passei a ser chamado para elaborar projetos de museus, bibliotecas, escolas, dentre outros.

Qual a importância de ganhar um prêmio como o Pritzker?

Bem, ganhar o Pritzker traz satisfação e também notoriedade. Fiquei mais conhecido e não mais que isso.

Como é o processo de criação dos seus projetos e qual a importância do ambiente, da história e do entorno?

É uma resposta que quase não tem fim, pois o ato de projetar está condicionado a inúmeras coisas e praticamente não há uma hierarquia de valores. Além disso, esses condicionantes têm que se tornar um todo, pois muitas coisas são contraditórias. Um exemplo disso é que se quisermos construir uma fachada, temos que relaciona-la com a paisagem, com a rua, etc. Mas também temos que inseri-lo com o programa que foi determinado.Portanto, dessa contradição evidente é preciso alcançar uma unidade.E este mundo de contradições e condicionantes é a ferramenta para que o arquiteto vença os desafios do ato de projetar.

Porque a preferência pela cor branca em seus projetos?

Eu gosto de todas as cores e já projetei edifícios verdes, vermelhos, rosas, ocres,  mas o que acontece é que há inúmeras razões que determina a escolha delas além das razões pessoais. As principais razões são o clima, o conforto, o contexto, a história e as transformações sociais. Há momentos quando estou projetando que surge o apetite por determinada cor, às vezes bem, outras vezes mal. Mas quem constrói em Portugal encontra belíssimas cidades ou pequenas comunidades, muito bem conservadas em que tudo é branco e a cor é apenas um detalhe em torno das janelas, portanto inovar para acrescentar alguma coisa destruiria essa unidade. O braço também vem da necessidade de se proteger dos rigores do clima e do sol nos casos em que, por razões econômicas, não se pode usar materiais com um bom isolamento térmico. Além da cor, o uso de pátios é também um elemento que se liga ao vernacular. Além de histórico, o pátio também ajuda no conforto térmico do edifício.

Como foi o processo que resultou na obra do museu da Fundação Iberê Camargo?

Eu fui convidado para o projeto e achei o tema muito interessante, visitei Porto Alegre e gostei muito da cidade e do local onde vai ser construído o museu.

 

O sr. incorporou no projeto alguma característica do Brasil?

Os elementos brasileiros estão lá e em meus conhecimentos sobre o Brasil. Eu não vou fazer um edifício no Brasil sem contexto. Tem que ser brasileiro. Portanto coloco características que eu acho que tenha relação com o Brasil. Essas coisas vêm naturalmente no mundo da arquitetura. Vêm junto com muitas outras coisas como a história, recente ou antiga, observação, clima, etc.

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Desobediência Civil em uma foto:
Entrevista fora da agenda do arquiteto e cigarros em área de não-fumantes no mezanino do Hotel da Bahia 
Salvador, Bahia - 2002
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